Aventura - O Encontro

When you feel my heat
Look into my eyes
It’s where my demons hide

Já faziam alguns dias desde que Kage havia saído de Liones e se quer se atreveria a dar as caras em tal. Não era grande novidade em sua vida estar evitando um ou outro lugar meramente por dever ou algo do tipo. Se tratava praticamente de uma andarilha desde que havia deixado a casa de garotas que frequentou durante boa parte da sua vida. Não tinha um lar, uma família ou mesmo algum amigo franco para compartilhar suas aventuras, para dividir um teto, isto com certeza influenciava em suas andanças por boa parte das extensas terras nos arredores do reino dos humanos.

Naquele momento em específico, a mulher passava a ponderar o que fazer a partir de então.  Não iria demorar para sentir fome, ou sede. A vida na “rua” não era fácil apesar dos bons momentos e liberdade em que a mesma poderia quase sempre proporcionar. No final das contas era até mesmo bom passar por alguns perrengues, alimentava sua vontade de ferrar com os poderosos ou qualquer um que tivesse boa influencia no reino dos humanos. Embora fosse adulta, com uma certa experiência de vida devido a sua idade, por vezes Kage pensava como uma adolescente inconsequente. Era inevitável e do seu feitio.

Ainda assim, sabia que para qualquer tipo de ação na qual pretendesse realizar, seria necessário treinar, evoluir suas próprias características e assim s tornar alguém. A mulher então levantou-se, limpou a poeira de sua calça na região das nádegas com dois tapinhas suaves, enquanto se dirigia a caminhar de encontro ao seu destino. Ela simplesmente não poderia saber o que realmente se passava ou encontraria, seu caminho era como um simples cara ou coroa de uma moeda lançada ao acaso. Obstáculos teriam que ser superados para que a vida continuasse. Felizmente nenhum era tão emocional. Apenas precisava caçar algo para comer.

When you feel my heat
Look into my eyes
It’s where my demons hide

Apenas uma coisa latejava em sua cabeça. Um nome desgraçado e ultrajante que Kage simplesmente não podia deixar de ignorar, Randy! Acredita que o larapio havia a enganado se passando por um amigo após um tempo trabalhando juntos. Bem, ela não poderia julgar exatamente sobre ter sido traída, visto que tamanha era a recompensa que ela mesmo havia pensado em passar a perna em seu parceiro. Entretanto, Randy havia sido mais esperto, mais rápido – Diga-se de passagem. – O que realmente importava era que a mulher deveria acertar as contas com o seu mais novo rival. Se queria um começo para a sua nova vida, ferrar com o Randy seria um ótimo primeiro passo. Inegavelmente.

Algo que lhe preocupava por ora, na verdade seria o pôr do sol. Não iria demorar pra escurecer e a mesma necessitava de um abrigo. Mas como coletar lenha para fazer uma fogueira sem um machado para coletar lenha? Sua única opção fora coletar galhos mortos caídos ao chão, que não estivessem umedecidos juntando-os em um aglomerado. A base da fogueira estaria pronta, necessitava então de mechas para as chamas e algum instrumento primitivo para a tentativa da criação do fogo. Para as mechas, tentou localizar e reunir folhas também caídas, que geralmente são fartas nas sombras das arvores.

Restava então o terceiro passo. Alguma ferramenta para executar o trabalho, e para ser honesta, o que seria melhor do que algumas pedras? Ferramentas primitivas e que trazia vaga esperança para Kage. Afinal, se os homens das cavernas conseguiam executar tal trabalho com franca eficiência, o que faria dela pior ou menos qualificada que tais primitivos? Bom, realmente era mais fácil ter uma fagulha de esperança do que uma fagulha do elemento fogo mesmo. Isto se comprovava na medida em que as tentativas de fazer o fogo com as pedras lascadas se prologavam. Se ela conseguiria ou não? Bem, apenas o destino lhe responderia.

When you feel my heat
Look into my eyes
It’s where my demons hide

A própria Kage poderia reconhecer que acender uma fogueira não era uma boa forma de passar despercebida. Um porco não costuma grunhir dentro de uma floresta que pode ou não estar repleta de predadores, de toda forma, esperava que fosse algo que tivesse o mínimo receio da luminosidade e calor proporcionada pela fogueira, de tal modo conseguiria espantar com facilidade o que fosse. A mulher segurou firme na ponta ainda intacta pelas chamas em uma das bases da fogueira, criando assim uma tocha própria. Se tivesse certeza de que a tocha não se apagaria até que pudesse sair da floresta, seguiria em frente, mas tal duvida lhe importunava como um chiclete grudento.

Optaria por permanecer ali. Encararia qualquer problema que viesse pela frente, com as mãos? Provavelmente, mas o que poderia fazer. Ao menos era ligeira e sagaz como nenhuma outra pessoa que já conhecera, tirando como exceção Randy. Caso não se tratasse dele, ou de algum felino agressivo, poderia ela tentar aproveitar de sua velocidade para escalar uma das árvores ao redor. Portanto Kage observou todas detalhadamente, era do tipo de pessoa que bolava estratégias e rotas de fuga antes que pudesse ser ofendida por algo. Ter tudo previamente estipulado na cabeça era uma das necessidade básicas de um ladino.

Pois bem, deixando os males um pouco de lado. Também haviam lados positivos em ter acendido a fogueira. O calor proporcionado parecia aquecer a sua alma, como um abraço ao seu espirito e personalidade interna, tal abraço que ela não recebera nem mesmo quando tinha uma família. Bobagem, ela nunca tivera uma família, havia imposto isto para si mesma e não mudaria de ideia por nada nesta terra. O passado era o passado, e inclusive porque não mudaria o seu próprio nome? Poderia escolher algum outro e “renascer”, era uma ideia a ser ponderada quando estivesse mais segura em alguma estalagem.

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Look into my eyes
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Estar em um estado aconchegante como aquele em que se encontrava lhe quebrava as pernas – Obviamente no modo figurado de se dizer. – Muitas das vezes Kage prometia a si mesma que não dormiria em locais inseguros, mas é quase como prometer para um amigo que irá passar toda a madrugada acordada. Sendo franca consigo mesma, já que não poderia ser com outras pessoas sobre isto, promessas vazias e descumpridas eram frequentes, na verdade era como se palavras não tivessem o mínimo valor para ela. Não que fossem inúteis, já que em dados momentos poderiam ser consideradas a sua melhor arma, bastava reconhecer tais momentos.

Ponderações e devaneios sobre o que se fazer a seguir apenas aumentavam o seu sono, o que fizeram com que a mulher esvaziasse a sua mente com o intuito de se livrar de tal. Com uma maior atenção apenas ao que se passava ao seu redor. A brisa do ar balançando levemente as folhas na copa das arvores, as fagulhas das chamas provenientes da madeira queimada como um combustível. É, até que viver isolada não poderia ser tão mal, contudo com um abrigo seguro e de onde se poderia dormir tranquilamente, é claro. Não simplesmente jogada ao léu.

Infelizmente não tinha um naquele momento. E o seu gosto e desejo pelo financeiro a impedia de seguir uma vida pacata como a de se morar envolta a natureza. Funcionava como um dilema, uma batalha direta entre coisas que ela gostava, e coisas que ela desejava. Talvez não tivesse amadurecido o suficiente para por em prioridade os seus gostos, mas sim o que almejava. Futuramente veria de se aposentar desta sua vida bandoleira, este tempo ainda não havia chegado com certeza. Suspirava lutando contra o sono, sua percepção deveria estar acima de qualquer outra coisa no momento. Entretanto ela não poderia prometer a si mesma que não iria acabar caindo no sono.

When you feel my heat
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It’s where my demons hide

Sua audição captava o estrondo de um trovão, o que não somente fizera a mulher arrepiar-se por inteira, como também saltar assustada. Suspirando profundamente, notara que talvez uma tempestade estivesse se aproximando do ambiente. Sua fogueira havia sido totalmente neutralizada pela chuva. Sem problemas, deveria ser aquilo um esboço  do destino, como um pequeno empurrãozinho para seguir em frente com o seu trajeto. Talvez devesse retornar para Liones, caso encontrasse com algum dos cobradores de suas dividas, ela simplesmente enrolasse novamente. Assim seria, não haviam motivos concretos para permanecer dentro da floresta naquele momento em especifico. Esperava apenas que um daqueles raios não a acertasse.

Sem muita demora, sua percepção que aparentava estar em dia não falhou ao perceber uma figura desconhecida a cerca de dez metros. Se tratava de uma pessoa, aparentemente, dificilmente seria um urso em duas patas, e a possibilidade de ser quadrupede era claramente descartada por ela própria. Haviam duas claras opções para Kage, seguir pelo caminho oposto, ou acompanhar seu alvo também paralelamente, com o intuito de descobrir se era alguém com um valor potencial. Este tipo de dilema funcionava sempre como um divisor de águas, e bem, Kage não se importava em ter que investigar um pouco, talvez conseguisse até um pouco de comida com tal alvo. Ou talvez ela fosse a devorada da situação, vai saber.

Tentava seguir a silhueta que viria, obviamente buscava focar em agir furtivamente. No eu ponto de vista, por não estar vestindo nenhuma armadura de metal ou mesmo tipos de vestes pesadas, seus passos e movimentos poderiam ser bem simples, abafados e furtivos. Seu objetivo seria utilizar das arvores e arbustos, bem como troncos caídos da floresta para aproximar-se suficientemente da silhueta, para ter no mínimo qualquer noção básica de quem ou o que se tratava. Sem arriscar ser vista em momento algum, para ela a ocultação de si mesma vinha em primeiro lugar.

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Honestamente se preocupava com o que poderia haver por debaixo daquele manto negro. Não somente quanto à pessoa em si, mas o tipo de coisa que poderia ser ocultado pelo tecido de coloração escura. Analisando as posições de ambas as peças naquele tabuleiro, seu senso de aventureira pedia para intervir e chamar a atenção da pessoa com um dialogo, mas a sua coerência dizia certamente para não perder de forma alguma o seu elemento surpresa. Mais um dilema em sua cabeça, um que necessitava de atenção e breve escolha por parte da mulher. Haviam coisas úteis possivelmente, mas o risco era igualmente oculto.

A decisão veio após a análise do terreno em si. Uma estrada de terra poderia ser ótima para a abordagem, ou mesmo um possível combate físico. Entretanto, a partir do momento em que uma espécie de lamaçal se forma, as coisas mudavam claramente de figura para ela. Bem, a movimentação, ou seja, a sua melhor característica provavelmente seria afetada diretamente pelo estado do solo, dificultando uma possível fuga caso as coisas fedessem. O que infelizmente a fazia cogitar não avançar contra um alvo cujo julgava fácil de se abordar. A sua decisão enfim seria não interferir no caminho de tal pessoa.

Embora não tivesse mais nenhum interesse em seu alvo humano, teria na estrada em si. É conhecido até mesmo pelo mais burro dos homens, que uma estrada leva até algum lugar. Estava interessada exatamente em o que encontraria se seguisse tal trajeto. Seria apenas mais um caminho até Liones, encontraria algum vilarejo ou meramente o esconderijo de homens tão larápios quanto a própria Kage? Não havia como ter certeza, mas isto ela descobriria em breve, mas não por ora. A mulher decidiu sentar-se ainda em um local escondido, mas que tivesse a estrada de terra próxima de si, dentro do seu campo de visão. Kage esperaria por ali, cerca de uma hora talvez, apenas para ter certeza de que não esbarraria com a pessoa que estaria seguindo instantes atrás.

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Kage era decerto o tipo de pessoa que preferia andar sozinha. Era fraca, assumia para si mesma, o que significava que com a ajuda de uma ou duas pessoas poderia ser mais potente em suas investidas. Errado, já que segundo a própria; quanto mais pessoas envolvidas, mais arriscado um trabalho fica. Tinha que ser condizente com a sua realidade. O tempo aguardado naquele lugar poderia a ter afastado de ameaças, ou dado tempo destas mesmas ameaças criarem alguma emboscada pela estrada. A vida era como uma moeda de duas faces, as vezes escolhas te salvam, as vezes te matam, ou as vezes meramente não fazem diferença alguma.

Precisava seguir em frente, se manter na chuva poderia lhe render um bom resfriado, isto é, se já não fosse pega por uma futuramente, pelo tempo que já havia passado ali. Era a hora de seguir em frente, seguir pela estrada de terra e enfim descobrir aonde ou ao o que a mesma iria levar. Seus olhos e ouvidos estavam com certeza bastante atentos a qualquer indicio suspeito, por mais que fosse complicado notar algo em uma chuva que parecia não passar de forma alguma. Não que o clima fizesse a sua curiosidade diminuir de forma alguma.

Encontraria um vilarejo? Talvez, possivelmente. Esperava  que quem fosse o anfitrião, também lhe fosse de certo modo receptivo. Oras uma mulher andando sem abrigo em uma chuva como aquelas, que deselegante de ser simplesmente ignorada, deveria no mínimo receber um convite para uma refeição ao calor de uma lareira, e quem sabe com sorte a mesma pudesse levar dali algumas moedas. Não que fosse ingênua, ao menos era o que esperava de si mesma, mas não havia como garantir que no final de tal estrada, tudo acabaria minimamente bem, ou seja em segurança. Mas o que realmente lhe assustava seria a possibilidade de ser atingida por um raio.

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Look into my eyes
It’s where my demons hide

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Seguir a estrada não estava lhe rendendo tantos problemas. Haviam duas possibilidades, seguir em frente e ver até onde o seu rumo lhe levaria, ou ainda a disponibilidade de uma investigação lateral por ali mesmo. Caso seguisse o caminho da esquerda, poderia tentar a sorte no que aparentava ser uma cabana habitada por qualquer tipo de vida inteligente. Não seria o tipo de saque mais fácil de se fazer, já que a própria Kage adorava quando podia adentrar em algum lugar sem ser exatamente vista, apanhar algo de valor, ou que a mesma pudesse criar um falso valor sobre, e então lucrar assim.

Pois bem teria que interagir com quem é que estivesse dentro, caso quisesse levar algo dali, queira ou não. A menos é claro que desse a tremenda sorte de quem quer que fosse estivesse em um momento de descanso, dormindo como um bebê. Não ficaria tendo simples e falsas expectativas, precisava coerentemente e principalmente sem levantar suspeitas, tentar observar quem estaria dentro da casa. Como então poderia se aproximar de alguma forma, sem ser vista? Avançou pelos flancos, sem utilizar diretamente o caminho principal para a cabana em si. Assim esperava que a sua aproximação não chamasse atenção.

Agir assim era realmente o que ela chamava por ser gatuna. O rei estava perdendo a sua capacidade de stealth, brincadeiras a parte. Ela precisaria ter uma noção do que se passava por dentro da residência. Como? Buscou então alguma janela, ou entrada de ar, buraco nas paredes e afins que a dessem no mínimo alguma percepção de quem ou o que estivesse dentro da residência. Se em sua concepção se tratasse de muitas pessoas, ou mesmo de pessoas consideravelmente más, a mesma sequer se atreveria a continuar investigando a cabana. Caso lhe aparentasse viável, continuaria com a sua visita. Esperava não ser enganada pelas aparências.

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It’s where my demons hide

Não poderia investigar a residência pelo lado de fora. Na realidade, teria que se arriscar a conversar com quem é que estivesse ali dentro, caso estivesse buscando alguma interação. A mulher suspirou fundo, tomando coragem para se por totalmente de pé frente a porta de entrada da cabana. Não sem antes pensar duas vezes, acabou por bater da pequena construção. Esperaria qualquer forma de recepção, mas não poderia planejar muito sem saber o que realmente se passava no interior da residência. Sem delongas, apenas aguardou com os olhos e ouvidos bem atentos. Seria atendida por uma velinha ou velhinho que mora sozinho na floresta? Ela meramente não fazia ideia.