Aventura - Contos do Vazio

Por algum truque da iluminação, notei que o livro não era da cor que eu tinha pensado. Mero detalhe. Queria conhecer era seu conteúdo. Dois empecilhos: um lacre e um nó. Com certa pressa, comecei a olhar ao redor, buscando no chão ou mesmo dentro da caixa algo que pudesse me ajudar a romper o lacre e o nó. Naquele momento eu sentia uma sensação estranha. Aquela sensação de estar fazendo algo errado. Em consequência dessa sensação nasce a desconfiança. Constantemente eu olhava para trás, observando se mamãe não tinha vindo me procurar.

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Ia me levantar para poder olhar melhor o cômodo e então peguei o livro para trazê-lo junto. Mas no instante em que toquei no livro, senti uma sensação ruim e o deixei cair no chão. O sentimento de estar fazendo algo errado novamente me assaltava e eu lembrava das advertências de mamãe que sempre me dizia para não ir até ali. Passado esse sentimento, retomei minha busca e esquecendo-me que iria procurar pelo resto do cômodo, me voltei a caixa. Sorri ao ver algo que parecia ser uma adaga e a peguei.

Quando a retirei da bainha, o sorriso em meus lábios se desfez. Estava sem lâmina. Em minha visão periférica algo me atraiu e se tornou objeto principal do meu olhar. Me curvei levemente para enxergar melhor. Era uma pedra com o rosto de uma mulher. Aquilo me deixou um pouco transtornada, pois... não tinha olhos? Quem fez isso? Quem seria a pessoa? A impressão que eu tinha era que a pessoa era muito triste. Por alguns instantes esqueci completamente do livro.

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Sobressaltei quando ouvi a voz de mamãe. Por alguns instante parecia que eu tinha segurado minha respiração para melhor ouvir qualquer som de passos ou da voz de Viviane se aproximando. Olhei rapidamente para o caderno lamentando ter que deixá-lo ali naquele momento. Voltaria depois, sem dúvidas. Ou melhor, tentaria levá-lo agora mesmo. Olhei ao redor buscando algum tecido ou roupa velha que eu pudesse usar para enrolar o livro e levá-lo para meu quarto em segredo. Seria arriscado, tudo dependeria da olhadela que eu daria antes de pegar o livro, para me certificar que mamãe não estava próxima. Cada passo era efetuado com extremo cuidado, tentando evitar qualquer som que me entregasse até que eu saísse da escada e espiasse se Viviane estava por ali.

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Trazia comigo o livro enrolado em alguns panos velhos. Não vendo mamãe próxima, fui para meu quarto, buscando esconder o livro lá. Olhei o ambiente buscando o melhor local para esconder. A opção mais favorável parecia ser no colchão. Por ser mulher, desde pequena estive habituada a arrumar meu próprio quarto e limpar minhas roupas de cama e pessoais. Não existia motivos aparentes para mamãe olhar algo ali. Fiz o que pensei. Ergui o colchão e coloquei o livro ali, colocando o colchão sobre ele em seguida, escondendo-o. De forma a ser natural, gritei a mamãe: —— Estou indo. Estou me trocando. —— Fui em direção a cozinha em seguida, procurando-a.

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Me sentava em uma cadeira e sorria para mamãe, comentando: —— Mamãe, ontem eu estava treinando e acabei quebrando a minha espada. Dessa forma não posso treinar no momento. Acho que você poderia me dar aquilo que me prometeu, ein? —— Tinha pronunciado a palavra espada de forma zombeteira, indicando a improvisação utilizada. Levei a comida algumas vezes a boca e aguardei a resposta dela, pensando se meu argumento era bom o suficiente para ela me dar o que tanto prometia.

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Pensava na minha resposta por alguns instantes, sabendo que mamãe tinha razão olhando o histórico daquele dia. —— Mas mamãe, você está olhando apenas hoje. E todos os outros dias que fiz minhas obrigações conforme você ordenava? Além do mais, Kenshin prometeu que quando eu fizesse 16 anos, ele me ensinaria. —— Levantei após terminar a refeição e retirei os pratos da mesa, levando-os para lavar, aguardando uma resposta de mamãe.

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O argumento de mamãe era convincente e me fez ficar a pensar na resposta enquanto ia ajudando-a nos afazeres. Tentei apelar para o sentimental: —— Mas mamãe, eu quero fazer isso da minha vida. Kenshin pode me dar uma espada ou me emprestar até conseguirmos pagar por uma. Eu arrumarei um emprego. E se ele tiver? Você é muito amiga dele, por favorrrrr. ——  Temia que ela me ignorasse e saísse. Se isso acontecesse, eu tinha algo a fazer no meu quarto...

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Não quis argumentos ainda mais com mamãe. Eu deveria refletir sobre meu caminho e tomar minha decisão. Mas era preciso ser feito de cabeça fria. Quando ouvi os berros de Viviane, por alguns instantes temi que ela tivesse descoberto, mas talvez eu tivesse tempo. Tentei ir rapidamente até lá e falei de forma a controlar minha voz: —— Desculpe, mamãe. Mais cedo eu olhei se tinha alguma madeira ou ferro para que pudesse usar como substituto para minha "espada" quebrada. Infelizmente não achei nada. Temos algo aí? Talvez você nem precise me dar então a esp... —— Interrompi minha frase, julgando que tinha sido convincente, mas sem saber o quanto.

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Sentia o tapa no rosto e as palavras duras de mamãe penetrarem meus ouvidos. Não respondia nada, apenas abaixava a cabeça. Quando ela terminou, fui para meu quarto e sentei na cama, pensativa.

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Distraída sobre o que tinha acontecido com mamãe, acabei tomando um grande susto quando algo pareceu se mover de baixo do colchão. Saltei de pé sobre o colchão e fiquei olhando, buscando forçar meus olhos para tentar ver algo naquele breu. —— Quem está aí? —— Dizia com calma, tentando organizar meus pensamentos de forma lógica, mas intuitivamente erguendo meus braços e dobrando os cotovelos, deixando os antebraços próximos ao rosto em uma tentativa débil de me defender sem saber do que.

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Sentia um certo incômodo, mas após ficar observando durante algum tempo e sem nada acontecer, julguei que eu estivesse um pouco desequilibrada devido ao que mamãe tinha me feito. Não éramos de brigar, apenas discussões bobas. Quando mamãe invadiu meus pensamentos, lembrei do caderno que eu tinha guardado em baixo da cama. Só de pensar no local em que ele estava, senti um arrepio. Não queria mexer ali agora, mas avancei, levando minha mão esquerda até o colchão e tateando no local em que eu lembrava ter escondido.

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Era uma mescla de sentimentos. Sentia meu coração palpitar rapidamente. Cada som ao redor era percebido, buscava perceber se algum deles seriam os passos de mamãe. Mas não, outro ocorreria. Ouvia o som de uma pedra, parecia pequena ou objeto igualmente pequeno na janela. Soltei o colchão e me desloquei lentamente até a janela, buscando erguer meu pescoço para ir olhando se existia algo na janela ou lá fora..

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Após avançar com coragem naquela tensão, levantei a janela e coloquei a cabeça para fora. Era Howard, um colega de infância. Acenei a ele com a mão e indiquei que se aproximasse da janela. Ele trazia consigo algo parecido com uma escada. Naquele instante eu só rezava que mamãe não aparecesse ou pioraria tudo ainda mais. Eu precisava espairecer.

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Fixava meus olhos nos lábios de Howard, buscando compreender o que ele pronunciava. Julgando entender o significado, comecei a balançar a cabeça, indicando que "sim". Suspirei aliviada, pensando que poderia ter um descanso para a cabeça. Cuidadosamente, comecei a abrir a janela.

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Refleti alguns segundos sobre a pergunta de Howard, mas decidi não compartilhar com ele minhas preocupações. Me contentei em responder: —— Um pequeno problema com minha mãe. Coisa boba. Logo passa. E você, como tem estado? ——

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